Depois de mais de 15 anos morando no estado da Toscana, na Italia, cheguei a uma conclusão fantástica: as coisas que eu mais gosto da Italia coincidem com as que eu menos gosto! Me explico melhor: é como se olhasse um copo com água até a metade e quando estivesse com sede parecesse que o copo está vazio, e quanto estou satisfeita parece que está bem cheio. Entenderam? Bem, vamos aos exemplos práticos para eu tentar me explicar melhor.
Índice do artigo:
1- Trabalhar sim, mas com tempo para viver a vida
2 – Salários baixos, mas necessidades essenciais públicas
3- País da “melhor gastronomia do mundo”
4 – As 4 estações
5 – Um país bom para envelhecer, mas com poucos jovens
1- Trabalhar sim, mas com tempo para viver a vida
Em geral os italianos tem como filosofia de vida que o trabalho é importante, inclusive está escrito no artigo 4 da Constituição Italiana:
“La Repubblica riconosce a tutti i cittadini il diritto al lavoro e promuove le condizioni che rendano effettivo questo diritto. Ogni cittadino ha il dovere di svolgere, secondo le proprie possibilità e la propria scelta, un’attività o una funzione che concorra al progresso materiale o spirituale della società.”
A tradução do artigo 4 é que “A República reconhece a todos os cidadãos o direito ao trabalho e promove condições para que seja possível efetivar esse direito. Cada cidadão tem o dever de realizar, de acordo com as próprias possibilidades e a própria escolha, uma atividade ou função que ofereça progresso material ou espiritual para a sociedade.”
Mas se trabalhar é bom, nada de exagero. Muitas vezes quem vive apenas para o trabalho é visto até de forma negativa pelos colegas que encaram que só trabalhar é sinônimo de falta de uma vida pessoal . É claro que existem exceções e não faltam pessoas que – por escolha ou necessidade – passam mais de 10 horas diariamente fora de casa trabalhando…
Mas aí vem um outro ponto: nem sempre quanto mais você trabalha, mais você ganha. Isso porque conforme você aumenta a sua renda pessoal, você muda de alíquota e acaba pagando mais impostos. Então muitos italianos tem a contabilidade anual na ponta do lápis para evitar passar para a alíquota sucessiva e acabar “trabalhando de graça”.
Então aqui vem a minha análise:
Ponto positivo (o que eu mais gosto): você é obrigado a relembrar diariamente que não vale a pena viver apenas para trabalhar e poderá ter a possibilidade de viver uma vida mais completa.
Ponto negativo (o que eu menos gosto): os salários médios na Italia são muito baixos e você deve se contentar com uma vida mais simples. Dar aquele passo extra para subir um degrauzinho pode ser muito difícil porque o governo não dá muitos incentivos para quem quer trabalhar mais para ganhar mais (meu ponto de vista: você concorda?)
2 – Salários baixos, mas necessidades essenciais públicas
Na Italia os salários médios em gerais são baixos se comparados com países como Estados Unidos ou Austrália. Só para dar um exemplo de acordo com o Census nos Estados Unidos em 2015 a média anual de salário de mulheres solteiras foi $37.797 e de homens solteiros foi $55.861. Veja detalhes na tabela abaixo:
No mesmo ano de acordo com Istat da Italia a média de salário foi de Euro 21.553,00 para trabalhadores “lavoratori dipendenti” solteiros. Os dados não dão detalhes sobre salários de mulheres ou homens. Mas segue abaixo os detalhes:
Mas em compensação um cidadão italiano não tem as mesmas preocupações com saúde, por exemplo, como um cidadão americano. Aqui na Italia ninguém pensa: se eu não tiver um seguro de saúde e tiver uma doença grave ou morro ou vendo a casa. Você sabe que irá para um hospital público e terá o melhor atendimento disponível por um valor bastante baixo e acessível (em geral para emergências o atendimento é gratuito, para exames existe um ticket a pagar de acordo com a renda).
Lembro que foi chocante assistir o filme Sicko do Michael Moore e descobrir os vários problemas do sistema de saúde americano (você assistiu? comente! morou nos EUA e não concorda com o que estou falando? comente!)
Como não mencionar a notícia que circulou esses dias sobre o homem de Seattle que sobreviveu ao coronavirus mas recebeu do hospital uma conta de $1,1 milhões para pagar? Você pode ler a notícia no SeattleTimes em inglês ou no La Repubblica em italiano.
O cidadão italiano tem a certeza que a saúde é obrigação do governo e ponto final. Agora se o sistema de saúde é bom? Existem variações de acordo com o estado (porque a saúde depende da Regione, que traduzido equivale a estado). Para saber mais sobre a saúde italiana leia esse artigo do jornal Il Sole 24 Ore com o ranking da saúde por Regione.
Mesma coisa com escola e universidade. Na Italia a escola pública é grátis ou quase, a taxa universitária varia de acordo com a renda familiar. Existem também algumas escolas ou universidades particulares mais caras e exclusivas, mas de forma geral nunca vi um italiano pensando que começará a fazer uma poupança para colocar os filhos na Universidade, por exemplo. E nem sempre a escola particular aqui na Italia é melhor do que a escola pública… Se quiser saber mais sobre as melhores universidades da Italia leia este artigo.
Aí vamos a minha avaliação…
Ponto Positivo (o que eu mais gosto): você não precisa ter nascido filho do Bill Gates ou ser um fenômeno para ter acesso a uma vida digna e de qualidade. Se tiver imprevistos na sua vida, o governo italiano sempre garante (através de subsídios) que você nunca irá passar fome ou morrer por falta de assistência médica por exemplo. Ao mesmo tempo essas condições mínimas de vida – que são bem altas para os padrões brasileiros por exemplo – também tem como consequência maior segurança para todos os habitantes e visitantes.
Ponto Negativo (o que eu menos gosto): os impostos são altíssimos na Italia. Não é brincadeira, tem imposto escondido em tudo: por exemplo junto com a conta de luz você paga a taxa para manter a televisão pública (Canone Rai), ao colocar combustível no seu carro estão incluídas taxas chamadas accise que servem para pagar as mais diferentes necessidades como para ajudar as famílias vítimas de terremotos ou financiar guerras (leia mais detalhes sobre os impostos nos combustíveis aqui). E as empresas coitadinhas…. de acordo com o jornal QuiFinanza de novembro de 2019 o 59% do lucro das empresas termina em impostos. E não é só isso: sempre de acordo com o artigo, uma empresa italiana deve empregar em média 238 horas para a burocracia fiscal. A consequência é que não é fácil empreender, existe pouca possibilidade de crescimento. Precisa se preparar para ter um sócio majoritário (governo).
3- País da “melhor gastronomia do mundo”
Os italianos gostam de comer bem, se preocupam com a qualidade dos ingredientes e são capazes de passar horas discutindo sobre a melhor pizza, sorvete, pão ou qualquer outro alimento que seja.
Ponto positivo (o que eu mais gosto): aqui você come bem em praticamente qualquer lugar. Existe uma preocupação com a origem dos alimentos, respeito de tradições gastronômicas que às vezes variam de uma cidade para outra e são amadas pelos viajantes de todo o mundo.
Ponto negativo (o que eu menos gosto): as tradições são tão valorizadas que boa parte dos italianos acha que a única comida boa.. é a italiana! As coisas tem mudado um pouco nos últimos anos, houve uma grande abertura para comida japonesa, por exemplo. Mas muitos italianos ainda torcem o nariz para a gastronomia do resto do mundo, ou seja, são “enjoadinhos”. Se você gosta de comer comida internacional e variar pode ser que em algumas cidades nem encontre essa variedade de ofertas. Do ponto de vista do trabalho: se você acha que vai trazer a sua tradição gastronômica brasileira para comercializar por aqui e ter sucesso.. hum, pode ser que faça sucesso só com os imigrantes ou turistas. Conheço vários italianos que não gostam de brigadeiro, por exemplo…
A propósito leia: comida italiana engorda ou é saudável?
4 – As 4 estações
Embora o clima na Italia possa variar de acordo com a cidade e posição geográfica, podemos afirmar que na Italia as 4 estações são bem definidas.
Ponto positivo (o que eu mais gosto): Você terá a possibilidade de ver neve e curtir o friozinho abraçadinho com sua doce-metade embaixo do cobertor ou de viver um verão incrível em uma praia de água azul cristalina e areia fofinha. O inverno pode durar muito, mas as casas são aquecidas e a gente não sofre com o frio dentro de casa e além disso é mais prático de se vestir no inverno e parecer sempre elegante: basta uma calça, uma blusa de gola alta, um terninho e um casacão e você está pronta para tudo!
Ponto negativo (o que eu menos gosto): tenho a sensação que o inverno dure 8 meses, a primavera/outono 2 meses e depois temos apenas 2 meses de verão. Digo isso porque moro na Toscana, em uma cidade próxima de Florença aos pés dos Apeninos. Talvez quem more em Palermo consiga fazer um mergulho no mar de Mondello em outubro e novamente em março. Mas para mim, o problema desse inverno infinito é que falta o sol para dar uma vitamina C, dar aquele “up” no humor.
5 – Um país bom para envelhecer, mas com poucos jovens
Se é verdade que quando a gente envelhece precisa apenas de acesso a um sistema de saúde de qualidade, tranquilidade, boa comida e segurança… a Italia é o país perfeito. Tão perfeito que os velhinhos aqui vivem muito…
De acordo com o Istat (dados oficiais de 1º de janeiro de 2020).
A idade média dos italianos é 45,7 anos em relação a uma população de 60,3 milhões de habitantes formada em 91,1% por italianos e apenas 8,9% por estrangeiros. A esperança de vida é de 85,3 anos para as mulheres e 81 anos para os homens. A idade média em que as mulheres tem filho na Italia é 32,1 anos. Isso porque geralmente os italianos primeiro querem acertar a vida para depois terem filhos, existe um grande desemprego ou instabilidade no trabalho para os mais jovens. O jornal Open informava que em setembro de 2019 a taxa de desemprego na faixa de 15-24 anos tinha atingido 28,7% e, como consequência 83.490 jovens que se formaram na Italia decidiram emigrar para outros países (leia o artigo aqui).
Ponto positivo (o que eu mais gosto): existe uma boa possibilidade de eu morrer bem velhinha se continuar por aqui…
Ponto negativo (o que eu menos gosto): falta aquela alegria jovem. Para quem quer curtição a Italia não é o destino certo. É um país mais família… (no meu caso que estou na idade “família” isso é ótimo para ser sincera!).
Bem, esse artigo está ficando tão grande que vai ser difícil alguém ter paciência de chegar até o final (se chegou escreva um oi nos comentários!). Vou terminar por aqui e deixo espaço aberto para diálogo, para ler experiência de outros brasileiros que moram ou moraram na Italia!
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